quarta-feira, 28 de outubro de 2009

sempre sonhei quase todas as noites, e é raro não me lembrar (pelo menos a curto prazo) das imagens, das palavras, dos sons e das personagens. mas sobretudo das histórias.
o facto de sonhar frequentemente obrigou-me, inevitavelmente, a viver bem com as recordações mais tétricas ou desconfortáveis que se possa imaginar e era capaz de jurar que isso teve também algum papel naquilo que sou hoje.

e depois, numa perspectiva mais poética, há imagens que não esquecemos.
hoje por exemplo, sonhei que de castigo por qualquer coisa que não me recordo agora, era obrigada a cortar as falanges de 9 dedos. ainda me lembro de olhar incrédula para os meus dedos sem unhas, de superfície plana e arestas duras e cilíndricas.
depois à tarde, na oficina de escrita, a conversa sobre a minha visita ao teatro anatómico (um dia destes terei mesmo de falar disso em pormenor).
no seguimento disso, o jorge melícias mostra-nos um fotógrafo, Joel-Peter Witkin, que usa cadáveres nas suas composições.

entre o sonho e anatomia:
irrita-me esta indecisão entre a chuva e o sol.
não gosto da humidade nem de chegar a casa encharcada, mas já que é tempo de chuva, que venha ela, já estou de malas e bagagens para o próximo inverno e não me apetece esperar mais à porta do aeroporto.
encontro não encontro no youtube a balada da rita, cantada pelo sérgio godinho, deixo a letra:

"Disseram-me um dia, Rita (põe-te em guarda)
aviso-te, a vida é dura (põe-te em guarda)
cerra os dois punhos e andou (põe-te em guarda)
e eu disse adeus à desdita
e lancei mãos à aventura
e ainda aqui está quem falou

Galguei caminhos-de-ferro (põe-te em guarda)
palmilhei ruas à fome (põe-te em guarda)
dormi em bancos à chuva (põe-te em guarda)
e a solidão, não erro
se ao chamá-la, o seu nome
me vai que nem uma luva

Andei com homens de faca (põe-te em guarda)
vivi com homens safados (põe-te em guarda)
morei com homens de briga (põe-te em guarda)
uns acabaram de maca
e outros ainda mais deitados
o coveiro que o diga

O coveiro que o diga
quantas vezes se apoiou na enxada
e o coração que o conte
quantas vezes já bateu para nada

E um dia de tanto andar (põe-te em guarda)
eu vi-me exausta e exangue (põe-te em guarda)
entre um berço e um caixão (põe-te em guarda)
mas quem tratou de me amar
soube estancar o meu sangue
e soube erguer-me do chão


Veio a fama e veio a glória (põe-te em guarda)
passearam-me de ombro em ombro (põe-te em guarda)
encheram-me de flores o quarto (põe-te em guarda)
mas é sempre a mesma história
depois do primeiro assombro
logo o corpo fica farto

O coveiro que o diga
quantas vezes se apoiou na enxada
e o coração que o conte
quantas vezes já bateu para nada"

terça-feira, 27 de outubro de 2009

(ilustração de lonnie ruiz gómez)

quando acordo, a pergunta.
quando me deito, a pergunta.